No Brasil, o movimento pelo voto feminino partiu de um homem, o constituinte, médico e intelectual baiano César Zama. Ele era um cristão conservador. Apesar de sua importância na luta pelo voto feminino, ele ficou mais conhecido por sua luta pelo fim da escravidão.
1) Os republicanos que lutaram pelo voto feminino eram o que hoje chamamos de direita
Em 1870, houve o Manifesto Republicano, declaração publicada pelos membros dissidentes do Partido Liberal. Em 1873, houve a Convenção de Itu, com representantes republicanos das classes conservadora e liberal e dali surgiria o primeiro partido republicano organizado, que posteriormente se aliaria aos militares e à igreja católica, culminando com a Proclamação da República do Brasil em 1889. Em outubro de 1897, o Partido Republicano declarou que estava constituído pelo que havia de mais acentuadamente conservador na opinião republicana do país.
2) César Zama, um homem cristão, burguês, liberal, branco, heterossexual, cisgênero e de direita, iniciou a luta pelo sufrágio feminino brasileiro, inaugurando o feminismo nacional
Na sessão de 30 de setembro de 1890, durante a elaboração da primeira Constituição republicana, César Zama defendeu o sufrágio universal, a fim de que as mulheres pudessem participar efetivamente da vida política do país. No ano seguinte, outro constituinte, Almeida Nogueira, seguiu César Zama e também defendeu a participação das mulheres como eleitoras.
3) As constituições brasileiras não impediam o voto feminino, mas impediam o de alguns religiosos
Na sessão de 2 de janeiro de 1891, Almeida Nogueira lembrou a todos que não havia legislação que restringisse os direitos de voto feminino e o projeto da nova Constituição também não cerceava esse exercício cívico. A constituição em vigor naquela data era a Constituição do Império de 1824 e determinava que as eleições eram censitárias e indiretas, mas não impedia oficialmente as mulheres de votar. Em vez disso, você encontra que a constituição impedia o voto de alguns religiosos que viviam em comunidade claustral. Você pode lê-la na íntegra no link:
Já a Constituição da República de 1891 veio a determinar que seriam eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistassem e que excetuava-se o alistamento de mendigos, analfabetos, praças e alguns religiosos sujeitos a voto de obediência. Você pode conferir no link:
4) Tinha direito ao voto aquele que tinha o dever de ir para a guerra
No Brasil, assim como no resto do mundo ocidental, o direito ao voto estava vinculado com o alistamento no exército. Era um consenso daqueles tempos que, se você tivesse o dever de ir à guerra para proteger o seu país, deveria ter também o direito de escolher quem seria seu líder. Os poderes estavam vinculados com as responsabilidades e homens e mulheres tinham diferentes direitos por terem diferentes deveres. A Suprema Corte dos Estados Unidos em 1918 afirmou explicitamente isso, como você pode ver no link:
Na época, muitas mulheres se manifestaram contrárias ao voto feminino pois estavam com medo de que futuramente tivessem que se alistar no exército e ir para a guerra da mesma maneira que os homens. Essa ideia teve que ser derrubada para que a luta pelo voto tivesse apoio da maioria feminina. Entre os primeiros países a permitirem o voto feminino, diversos deles apenas o permitiram às mulheres alistadas ao exército e até hoje há países em que os homens só podem votar se estiverem alistados. Há também exemplos de países em que os homens são obrigatoriamente alistados no exército em uma idade inferior àquela em que poderão escolher seus líderes. Diferentemente do que podíamos imaginar, foram as mulheres que obtiveram mais facilidades em conquistar os seus direitos.
5) O Brasil quase foi o primeiro país a dar o voto à mulher
Lopes Trovão (signatário do Manifesto Republicano), ao se discutir a Declaração de Deveres, defendeu com afinco a causa da oficialidade do voto feminino. Em 1891, no primeiro dia do ano, 31 constituintes assinaram uma emenda ao projeto de Constituição, de autoria de Saldanha Marinho (também signatário do Manifesto Republicano), conferindo o voto à mulher brasileira. A pressão contrária, porém, foi tão grande que Epitácio Pessoa, que havia subscrito a emenda, dez dias depois, retirou o seu apoio e o Brasil deixou de ser o primeiro país do mundo a conceder o direito do voto à mulher. Em 1893, a Nova Zelândia venceu a corrida, liderada pela religiosa Kate Sheppard. No ano de 1894, foi promulgada a Constituição Política da cidade de Santos, quando novamente houve uma tentativa de conferir direitos políticos às mulheres, derrubada por pressão dos cidadãos.
Havia muita discussão quanto à inconstitucionalidade do veto ao voto feminino, entretanto, mesmo sem uma constituição que impedisse nem que confirmasse o direito, três mulheres se alistaram e chegaram a votar em Minas Gerais no ano de 1905, tendo seus votos posteriormente anulados.
6) Republicanas fundaram um partido feminista sufragista
Em 1910, a professora Leolinda Daltro, considerando que a Constituição de 1891 era omissa quanto ao voto feminino, requereu alistamento eleitoral e teve seu pedido negado. Reagiu reunindo-se a dezenas de colaboradoras, a maior parte delas professoras também, para formar uma associação civil denominada Partido Republicano Feminino. Você pode ver um registro histórico aqui:
7) A primeira eleitora confessa que foi tudo obra de seu marido
Novas tentativas na forma de emendas surgiram em 1917, 1920 e 1921, vindas de diversos autores. Em 1927, o Presidente Washington Luís, do Partido Republicano Paulista, manifestou-se a favor do voto às mulheres. Em 25 de outubro do mesmo ano, o Rio Grande do Norte aprovou a Lei 660 e foi o primeiro Estado brasileiro a conceder o voto à mulher, através de um projeto do deputado Juvenal Lamartine de Faria. Em 1928, a professora Celina Guimarães Vianna solicitou alistamento eleitoral e tornou-se a primeira eleitora da América do Sul. A catedrática Júlia Alves Barbosa já havia requerido a inclusão no alistamento eleitoral um dia antes de Celina, entretanto seu deferimento acabou sendo aprovado depois. Veja a confissão da primeira eleitora da América do Sul diante de sua importância histórica:
“Eu não fiz nada! Tudo foi obra de meu marido, que empolgou-se na campanha de participação da mulher na política brasileira e, para ser coerente, começou com a dele, levando meu nome de roldão. Jamais pude pensar que, assinando aquela inscrição eleitoral, o meu nome entraria para a história. E aí estão os livros e os jornais exaltando a minha atitude. O livro de João Batista Cascudo Rodrigues — A Mulher Brasileira – Direitos Políticos e Civis — colocou-me nas alturas. Até o cartório de Mossoró, onde me alistei, botou uma placa rememorando o acontecimento. Sou grata a tudo isso que devo exclusivamente ao meu saudoso marido.”
Entretanto, a Comissão de Poderes do Senado Federal requereu a anulação de todos os votos femininos, considerando-os inapuráveis.
8) A primeira mulher eleita era republicana
A primeira prefeita do Brasil, Alzira Teixeira Soriano, foi eleita no município de Lages pelo Partido Republicano Federal, tornando-se a primeira mulher da América Latina a assumir o governo de uma cidade.
Através do Decreto nº. 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, o Presidente Getúlio Vargas resolve que todas as restrições às mulheres seriam suprimidas e é instituído o Código Eleitoral Brasileiro, que disciplinava que era eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma do código. Entretanto, não havia obrigatoriedade no voto feminino, mas existia no masculino, do mesmo modo que o alistamento no exército.
9) No resto do mundo, o voto feminino também foi uma luta dos movimentos de direita
Nos Estados Unidos, foi o Partido Republicano (direita conservadora) o primeiro grande partido a defender o sufrágio feminino. Mulheres sufragistas carregavam a bandeira de Gadsden que simboliza o liberalismo, o libertarianismo e também o patriotismo americano, como você pode ver na seguinte foto:
A primeira mulher eleita ao Congresso foi a conservadora republicana Jeanette Rankin de Montana, em 1917. Na Inglaterra, o famoso liberal John Stuart Mill apresentou em 1866 uma emenda que dava o direito do voto à mulher inglesa, mas foi derrotado. Na Nova Zelândia, o primeiro país do movimento sufragista a permitir o voto feminino, a conquista se deu graças à Women's Christian Temperance Union que tinha como liderança a religiosa Kate Sheppard.
Diferentemente do Brasil e dos EUA, em Portugal, os republicanos se oporam ao voto feminino, pois a ideologia republicana portuguesa estava vinculada com o anticlericalismo e a mulher naquele contexto era considerada extremamente religiosa e reacionária. Isso mesmo: em Portugal, quem era contra o feminismo sufragista usava como argumento justamente o que o feminismo marxista usa hoje contra seus opositores. Leiam esse trecho do Diário do Senado de 24/06/1912:
“(…) No dia em que este assunto foi discutido na comissão, tinha eu passado pela igreja de S. Mamede, donde vi sair centenas de senhoras que ali tinham ido entreter os seus ócios e ilustrar o espírito na prática do mês de Maria. O voto concedido a mulheres nestas condições, vivendo sob a influência do clericalismo, seria o predomínio dos padres, dos sacristães, numa palavra, dos reaccionários (…)”
Existe a ideia errada de que as mulheres nunca participaram da política antes dos movimentos sufragistas. Na Idade Média, as mulheres participavam das funções públicas em diversos países e por vezes até mesmo votavam. Por ocasião dos Estados Gerais de 1308, as mulheres são citadas explicitamente entre as votantes em diversas partes do território francês. Com o fim da Idade Média, no final do século XVI a mulher foi afastada das funções públicas.
10) Considerações finais
Uma das principais características que diferencia o feminismo sufragista do feminismo marxista é o fato de que o primeiro movimento reivindicava poderes políticos sem se posicionar contra o papel tradicional feminino e tampouco o considerava inferior, enquanto o movimento atual considera o papel masculino superior ao feminino, rejeita a feminilidade e acusa de machistas justamente aqueles que se opõem à essas ideias.
Não se esqueça, então: na próxima vez que encontrar uma feminista marxista atacando os reacionários, os conservadores e o cristianismo, diga-lhe para ser mais grata com aqueles que conquistaram o seu direito ao voto.
E se você for uma mulher conservadora, saiba que você não deve nada ao feminismo atual. Ele que deve tudo a você.
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Algumas fontes consultadas:
Diário do Senado, 24 de junho de 1912, número 121, página 18.
Ideologia e feminismo, de Branca Moreira Alves, lançado pela Editora Vozes em1980. Páginas 94 e 95.
“Uma história que não é contada”, de Prof. Felipe Aquino, lançado pela Editora Cléofas em Março de 2008.
“Canudos: Cartas para o Barão”, organizado por Consuelo Novais Sampaio, Editora da Universidade de São Paulo, 2001.
O Jornal de Notícias, 11 de outubro de 1897.
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