terça-feira, 7 de junho de 2016

Um motivo para ser contra o aborto

Há algo que existe em todas as sociedades que são ou foram, mesmo que não sejam mais, cristãs e que não existe entre os islâmicos, entre os orientais, entre os africanos, entre os índios brasileiros, assim como não existia em nenhuma sociedade antiga. Esse "algo" se incorporou nas legislações e na moralidade comum, de modo que existe mesmo em países cuja população é hoje majoritariamente ateia, desde que tenham sido cristãos um dia. É um princípio que nem sempre se realizou ou se realiza na prática, mas que se mantém como princípio fundante. É por causa dele que os países cristãos aboliram a escravidão (que praticaram, assim como todos os outros, mas por cuja abolição foram os únicos a lutar) e foram, um a um, abolindo a pena de morte, embora ela ainda exista em alguns estados americanos.

Esse princípio é a ideia de que todas as vidas são igualmente valiosas e igualmente importantes; todas as vidas são sagradas e invioláveis, mesmo as dos escravos, dos fracos, dos aleijados, dos doentes, dos velhos, dos defeituosos, porque todos os seres humanos são dotados de uma alma imortal. Não existiu nada semelhante em nenhuma outra cultura e nenhuma outra religião. Os espartanos inspecionavam um recém-nascido e, se achassem que tinha algum defeito, o abandonavam ao relento -- muito semelhante ao que fazem algumas tribos de índios brasileiros. Platão fala do infanticídio na República como coisa corriqueira. Centenas de civilizações abandonavam ou matavam os velhos e doentes. Sacrifícios humanos sempre foram comuns nas mais diferentes civilizações, assim como matar empregados ou escravos de um senhor que morria para que o acompanhassem à outra vida.

Só o cristianismo acabou com tudo isso. Muitas vezes, é verdade, esse princípio não foi posto em prática, mas sempre esteve lá como princípio e ao longo dos séculos foi se fazendo valer cada vez mais nas sociedades cristãs e naquelas que foram cristãs e se tornaram laicas. É por causa desse princípio que essas sociedades sempre se colocaram contra o aborto.

Evidentemente, você não precisa ser cristão para apoiar esse princípio: me dê um motivo, sem ser religioso, para não legalizar os sacrifícios humanos. Esse será o seu motivo para não legalizar o aborto. Mas a situação é diferente, diz você, porque o feto não é uma vida, não é um ser humano. Ora, a verdade é que você não tem certeza disso, eu não tenho certeza disso, a ciência não tem certeza disso. Por que não assumir inteiramente essa incerteza? Ao praticar o aborto, você tem 50% de chances de eliminar uma coisa incômoda e 50% de chances de matar um ser humano. Você aceita o risco?

Em qualquer caso, vai sempre pairar a suspeita de que aquela coisa incômoda era, na verdade, um ser humano e portanto o princípio já estará violado: está justificado tirar vidas humanas quando uma mãe não deseja um filho. Mas se é assim, por que não matar um doente do qual a família não deseja cuidar? Por que não matar velhos que só dão gastos? Por que não matar mendigos que só importunam? Se o princípio não existe mais e há uma circunstância em que é aceitável tirar uma vida, por que não em outras circunstâncias? Uma vez que o princípio está violado, tudo é permitido.

Assim, a resposta curta ao "motivo, sem ser religioso, para não legalizar o aborto", é a seguinte: se você começar fazendo aborto, em breve estará matando velhos, doentes e indesejáveis. Se é isso o que você deseja -- porque, pensando direitinho, não há nenhum motivo sem ser religioso para não fazer isso -- vá em frente.

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